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r/c esquerdo


Sexta-feira, 08.01.16

A água está suja? Deite-se fora o bebé.

Pondo agora de parte as aldrabices em volta da questão líbia, há uma questão que elas levantaram e que convém referir.

Parte da contestação ao voto da Marisa e do Miguel confunde uma resolução com um ponto dessa resolução. Quer isso aconteça deliberadamente, como forma desonesta de ataque, quer não traga consigo esse tipo de maquiavelismo, essa confusão é grave, acontece sobretudo na esquerda e, entre esta, numa certa esquerda, e radica numa conceção maniqueísta da política que tem estado na raiz do pior dos sectarismos.

Levada ao extremo, essa confusão faz com que haja a ideia de que qualquer proposta globalmente positiva deverá ser rejeitada pelos "puros" (o que equivale a dizer pelos "bons") se contiver algum ponto maculado com alguma espécie de impureza. Se a água do banho do bebé está suja, é para deitar fora de imediato e sem contemplações, e não só a água mas também o bebé e a banheira, porque também eles teriam ficado conspurcados pela sujidade.

O problema é que, assim, porque a pureza de uns é diferente da pureza de outros, nenhum acordo é possível. Para uns, a pureza obriga-os a fazer parar ditadores sanguinários seja por que meios for, ao passo que para outros os ditadores sanguinários devem ser deixados em paz porque não se pode intervir nunca nos assuntos dos outros povos, mesmo que os assuntos desses povos venham a ter, tarde ou cedo, um impacto direto nos assuntos dos nossos. Os puros, que na vida real nunca o são mas adoram enxamear caixas de comentários com as suas purezas contraditórias, não admitem nunca qualquer dilema moral. O mundo é a preto e branco, nem que para o ser seja necessário deturpar realidades e retocar fotografias. Não param para pensar que se calhar, ao deitarem a água e tudo o resto pela janela, poderão estar a matar o bebé. Ou não, consoante haja ou não haja alguém para o apanhar.

Mas no mundo real as coisas não são assim. Cada escolha tem consequências, nem todas visíveis no momento em que é preciso fazê-la. Cada escolha tem prós e tem contras. E quem quer tomar decisões com alguma espécie de seriedade, tem sempre, mas sempre, de pesar esses prós e contras. Decidir se o mais importante é acabar com a austeridade ou conservar a intocabilidade das opções ideológicas. Decidir se o congelamento das contas de um ditador que enriquece obscenamente à conta de um povo que massacra compensa ou não o ato de não se antepor obstáculos à eventualidade de outro organismo internacional tomar a decisão de impor uma zona de exclusão aérea. Decidir se é possível subir faseadamente o salário mínimo para diminuir a contestação à subida fazendo com que ela seja possível de todo, em vez de exigir tudo, já!

Para os puros, que na realidade nunca o são, estas respostas são todas fáceis. É tudo a preto e branco. Nunca há qualquer subtileza nem nenhum tom de cinzento. E como Miguel Portas e Marisa Matias tiveram o desplante de as achar difíceis e de querer tratá-las com subtileza, o que para os "puros" é um crime de lesa-pureza, toca a deitá-los também a eles fora, nem que para isso tenham de mentir, sem sequer se darem conta (ou sem quererem saber) que mentir também viola muitas purezas. Ou talvez achem que os fins justificam os meios. Também é coisa de "puros", essa.

Por mim, dispenso puros. Não só porque nunca o são, só se armam, mas principalmente porque são a raiz de males sem conta, dos quais a demagogia é só o menos mau.

 

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por Jorge Candeias às 18:44

Sexta-feira, 23.10.15

O próximo governo de esquerda e a questão europeia vista por um bloquista

Nos últimos tempos têm-se multiplicado as manifestações de preocupação, quase invariavelmente vindas de apoiantes ou eleitores da direita, sobre a magna questão de como poderão sentir-se os eleitores do Bloco de Esquerda, pobrezinhos, com a ideia de ter de abrir mão de uma série de ideias defendidas pelo seu partido sobre a atual e futura situação na União Europeia, ao integrar ou apoiar um governo do mui europeísta PS.

Sendo eu um eleitor do Bloco, confesso que me aquece o empedernido coraçãozinho ver tanto carinho, em especial vindo de quem acha que o meu partido deve ficar impedido para toda a eternidade de desempenhar um papel, seja ele qual for, na governação do país.

Mas acho graça a tanta preocupação. Sabem porquê? Porque os meus adversários estão muito mais preocupados com isso do que eu estou.

Explico porquê.

Sim, é verdade: o Bloco tem, sobre esses assuntos, opiniões diferentes das do PS. E eu, como é natural (embora nem sempre aconteça), partilho em geral da opinião do Bloco. Considero, por exemplo, que é necessário fazer os possíveis para preparar o país para todos os desfechos possíveis da crise da Zona Euro, que está muito longe de terminar (o que é muito diferente da caricatura que a direita faz quando afirma que o Bloco quer sair do euro; isso é simplesmente mentira), e não acredito que se consiga pôr em prática políticas antiausteritárias sem se entrar em choque com regras europeias como o Tratado Orçamental.

Como é que isto se concilia com o respeito por todas as regras que o Partido Socialista preconiza?

Sem grande dificuldade, na verdade.

Porque o primeiro passo para preparar o país para todas as eventualidades é estudar a fundo todos os cenários prováveis e conceber soluções para cada um. É trabalho complexo, que demora tempo, e implica que, pelo menos no período inicial, não se aja na prática. E depois de tudo estudado, a preparação do país para os diversos cenários não implica violar seja que regra europeia for. Não se trata de abandonar o euro; trata-se de preparar o país para o choque ser o menor possível na eventualidade de esse abandono vir um dia a acontecer ou de acontecer qualquer outro problema sério com a Moeda Única.

Onde está a incompatibilidade entre as duas posições? Afinal, o PS exige cumprir-se as regras, não que não se faça os possíveis para preparar o país para imponderáveis. Não vejo, portanto, incompatibilidade alguma, pelo menos até que esses imponderáveis aconteçam de facto. E tanto o PS como a direita afirmam que eles não deverão acontecer; se tiverem razão, nunca sairemos da mera preparação.

Onde está o problema?

Desacordo real existe quanto ao Tratado Orçamental. O Bloco não acredita na possibilidade de quebrar o ciclo de austeridade dentro das regras do TO; o PS afirma que sim, pretendendo consegui-lo procurando pôr em prática aquilo a que chama uma "leitura inteligente" do tratado. E eu penso que não só é inevitável que seja esse o caminho seguido, visto que o PS teve três votos por cada dois à sua esquerda e há condicionalismos vários, internos e externos, que levam a que não seja politicamente viável, neste momento, pôr essa questão em causa, como até talvez seja mesmo desejável que seja esse o caminho seguido, porque no improvável caso de a ideia resultar seria menos traumático do que a alternativa e porque, não resultando, teremos em mãos a demonstração prática de que se trata de uma mera ilusão e poderemos então procurar implementar as soluções alternativas cuja necessidade continuamos a defender, mesmo não as podendo aplicar para já (e, já agora, conviria também dar mais força a quem as preconiza).

Ou seja, eu, eleitor do Bloco, não estou minimamente preocupado com o congelamento provisório de alguns aspetos do programa do meu partido. Sei perfeitamente que ele não teve votos suficientes para ser o seu programa a servir de base a um governo, sei que, com 10%, só poderá aspirar a ter uma influência real sobre alguns aspetos da governação e será obrigado a deixar outros para outra altura. Terei pena de que assim seja? Tenho, claro. Preferia que tivéssemos tido o dobro ou o triplo dos votos (ou mais, porque não?), podendo assim pôr em prática uma parcela proporcionalmente maior das nossas propostas. Mas os resultados foram os que foram. Não tendo sido nada maus, estão no entanto longe de ser suficientes para não serem necessários compromissos. Portanto venham os compromissos possíveis. É assim que a democracia funciona.

Não se preocupem connosco, caros direitistas. Nós estamos muito confortáveis com todo este processo. Afinal, foi a Catarina Martins que lhe deu o pontapé de partida, lembram-se?

Se fosse a vocês, preocupava-me, sim, convosco e com a imensa ignorância de que ao que tudo indica sofrem sobre o que é e como funciona a democracia de base parlamentar.

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por Jorge Candeias às 23:19

Sexta-feira, 03.04.15

Manifestos e outros palimpsestos

Pois é. Lá apareceu por aí mais um manifesto a suplicar pela unidade da esquerda. Mais um. E eu, que há muito que penso que a unidade da esquerda é fundamental para pelo menos começarmos a solucionar o gigantesco sarilho em que décadas de neoliberalismo descarado ou envergonhado enfiaram este país, e que por isso andei a assinar todos os que me puseram à frente, desta vez não assino. E posso mesmo dizer que dificilmente voltarei a assinar alguma destas coisas.

Porque todos os manifestos a pedir a unidade da esquerda que assinei acabaram por desembocar em mais divisões na esquerda. Um foi desembocar no Livre, outro no Tempo de Avançar, outro foi por portas e travessas que ainda não percebi lá muito bem desembocar naquela coisa estranha da Joana e do Nuno, e por aí fora.

Mas o motivo principal nem é esse.

O motivo principal é eu ter percebido, agora que passo em revista a história destes documentos, que todos eles partem de um olhar sectário sobre a esquerda, a despeito de aparentemente pugnarem pela sua unidade. Muitos escolhem com que esquerda querem que a unidade se faça antes mesmo de dizerem para que fim querem que ela aconteça. Outros mostram-se descarada ou obliquamente contra a esquerda que existe, lançando-lhe farpas e acusações mais ou menos justas, mais ou menos injustas, ao mesmo tempo que exigem que se una, como quem diz "vocês são todos maus, mas é preciso que se unam para isto resultar". Outros fazem as duas coisas ao mesmo tempo.

E este é só mais um. Em vez de defender a associação livre de todos os que se revejam num conjunto de objetivos, procura demarcar territórios, falando dos "principais partidos da esquerda que recusa sem ambiguidades a austeridade," referência que poucas dúvidas deixava logo à partida, dúvidas essas que, para o caso de alguém não ter entendido, o principal promotor logo tratou de dissipar em entrevista dada à imprensa: o PCP e o BE. Os outros? Não interessam.

Não deve ser assim.

Tem de deixar de ser assim.

Sim, a esquerda que rejeita a austeridade deveria unir-se. Mas devem estabelecer-se os objetivos (a renegociação da dívida, a desobediência ou renúncia ao tratado orçamental, porque não será possível rejeitar-se a austeridade sem essas duas coisas) e fazer um apelo e uma proposta de união a todos. Uma proposta de união em torno desses objetivos concretos, aberta aos partidos, movimentos, organizações e indivíduos que os partilhem como prioridades. Sem decidir a priori quem são os partidos, movimentos, organizações e pessoas que se aceita no clubinho e quais se exclui dele antes mesmo de o constituir. Sem ataques preventivos para manter o grupo x ou y afastado.

Simplesmente uma proposta. Simples, clara, honesta e, acima de tudo, aberta.

Quando assim for, poderão contar comigo. Enquanto assim não for, não.

 

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por Jorge Candeias às 21:14

Terça-feira, 31.03.15

Ripadas eleitorais em tempos de abstenção...


Regionais na Madeira, as notícias da morte do Bloco continuam manifestamente exageradas, as ripadas eleitorais do Centrão e incapacidade da esquerda em mobilizar a crescente abstenção.

 

PSD perde 21% do eleitorado, passando dos 71.556 votos em 2011, para 56.690 votos em 2015.

 

O CDS, apesar do spin de Portas, perde 33% dos eleitores, passa de 25.974 votos em 2011, para 17.514 votos em 2015.

 

O PS encabeçou uma estranha coligação que desbaratou os 33.031 votos de 2011, para os eclipsar em magros 14.593 votos, menos que o PS sozinho à 4 anos.

 

PCP e Bloco reforçam resultados, elegendo 4 deputados, com o PCP a apostar na recontagem de 5 votos para retirar a maioria ao PSD.

 

E surpreende (ou não) o resultado de um partido-movimento: JPP (Juntos Pelo Povo).

 

O fantasma crescente: a Abstenção, sobe 13%, passando a representar 50,28% do eleitorado.

Este espectro está presente, cresce e espalha um lastro de "ilegitimidade" ao próprio regime democrático.

A esquerda tem tido dificuldade em capitalizar o descontentamento crescente do eleitorado com um centrão cada vez mais indistinto nas soluções políticas e semelhante no bordel de interesses instalados.

Falta proximidade, falta abertura, falta um discurso claro e um caminho de alternativas viáveis e credíveis, falta a desmistificação da esquerda papão, falta o desafio constante e a disponibilidade para o diálogo? O que é que falta?!

 

Parabéns pelo trabalho aos militantes do Bloco na Madeira!

 

Resultados das Regionais aqui.

 

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por Ricardo Gonçalves às 12:02



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