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Vejamos se entendo.
Segundo a FOX News portuguesa (convém esclarecer de onde a coisa vem para a pulga ser logo firmemente instalada atrás da orelha), Marinho e Pinto, depois de ser eleito para o Parlamento Europeu e vir de lá chocadíssimo com os vencimentos dos eurodeputados (mas sem abrir mão do seu; era o que faltava!), depois de se ver eleito por um partido, tentar tornar-se dono dele, não conseguir e fundar outro, vem agora propor a criação de um "senado de 40 ou 50 membros." Porquê? Não sei. Até pode ser que Marinho tenha explicado, tal como é inteiramente possível que não. O certo é que a notícia não diz.
Até aqui nada existe de bizarro na ideia. Senados existem em muitos países democráticos por esse mundo fora, ainda que em geral se destinem a acolher um tipo de representação diferente daquela que é fornecida pelos parlamentos "comuns", as chamadas câmaras baixas. São particularmente comuns em sistemas federais, embora também haja casos, como o do Reino Unido ou dos Estados Unidos, em que se destinam exclusiva ou principalmente à representação das elites (a nobreza no caso britânico, os políticos teoricamente mais prestigiados no caso americano).
Parece ser esta a ideia do Marinho, mas já lá chegaremos, deixando por agora apenas a seguinte dúvida no ar: para que raio necessitam as elites portuguesas de ainda mais representação no parlamento?!
Antes falemos um pouco de números.
Como se sabe, o parlamento português tem 230 deputados. Embora esteja muito disseminada a ideia de que Portugal já tem deputados a mais, comparando o número de deputados portugueses com o de outros países desenvolvidos de dimensões comparáveis é fácil chegar à conclusão de que essa ideia é falsa: o parlamento português tem dimensões bem próximas da média. No entanto, se a esses 230 deputados forem somados os 40 ou 50 senadores que Marinho e Pinto quer agora arranjar, aí sim, Portugal, com 270 ou 280 parlamentares, ficaria significativamente acima da média. Dito isto de outra forma, aí sim, passaria a haver deputados a mais.
A notícia não diz se o Marinho quer retirar esses senadores à câmara baixa, ou seja, ao parlamento atual, baixando-lhe o número de deputados para 180 ou 190. Até é possível, como possível é que não ou que ele nem tenha ainda pensado no assunto. Mas se for esse o caso, temos o problema associado a qualquer redução do número de deputados sem haver ao mesmo tempo uma reforma nos métodos de apuramento que reforcem a proporcionalidade: a representatividade da AR é reduzida, especialmente em áreas políticas minoritárias, o que não é mau, é péssimo.
Mas o que é verdadeiramente bizarro na ideia é que o Marinho primeiro diz que quer "eleger os senadores em contraciclo" das eleições para a AR (ou seja, passaríamos a ter eleições parlamentares de dois em dois anos e não de quatro em quatro, ora para a câmara baixa, a AR, ora para o senado), mas depois nomeia Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e Freitas do Amaral para senadores vitalícios. Ou seja: não eleitos. Ou seja, um confortável tachinho até irem desta para melhor, pago por todos nós via orçamento geral do estado, sem para isso termos voto na matéria. E porquê? O artigo cita-o: porque os acha “úteis para resfriar os impulsos muitas vezes, quase diria, totalitários, mas pelo menos os excessos e os abusos da democracia.”
Portanto, vejamos se percebo, que nesta salganhada nem o português ajuda. Marinho e Pinto quer resfriar os "impulsos totalitários" e os "excessos e abusos da democracia", e para isso aumenta o número de deputados e/ou diminui a sua representatividade (o que diminui a democraticidade da representação e potencia os "impulsos totalitários" das maiorias), recorrendo também a processos tão antidemocráticos como a nomeação (por quem? por ele?) de senadores vitalícios que não passam pelo voto popular. Curiosamente, talvez por uma daquelas coincidências inexplicáveis, seriam todos de direita. É isso, não é?
Chegados a este ponto, e dando de barato que a FOX News tuga não enovelou a coisa ainda mais, a minha dúvida é:
Como há quem leve este homem a sério? A sério. Como?