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Quinta-feira, 03.12.15

Explorar petróleo e gás de xisto?

Embora considere que é absurdo estar-se a insistir na exploração de hidrocarbonetos quando há alternativas bem mais sustentáveis e a poluição gerada pela queima massiva de combustíveis fósseis é a principal responsável pelo aquecimento global, e portanto por boa parte dos problemas ambientais com que vamos ser violentamente confrontados num futuro razoavelmente próximo, não tenho uma oposição apriosística e por princípio a essa exploração. Penso que cada caso é um caso, e em certas situações até é capaz de ser preferível explorar-se do que não se explorar. Um exemplo: creio que provavelmente será melhor explorar-se comercialmente os jazigos de gás natural presentes em regiões polares, enterrados debaixo do permafrost, do que permitir que gases extremamente potentes em termos de efeito de estufa (bem mais do que o dióxido de carbono) sejam libertados livremente para a atmosfera quando o permafrost se fende ou derrete. Idem para o gelo de metano que existe em vastas áreas do fundo do mar, que, com a subida da temperatura deste, tende a sublimar e a ser libertado livremente para a atmosfera.

Ou seja: penso que bem regulada, muitíssimo bem vigiada, usando as técnicas mais mitigadoras possível dos impactos ambientais e em determinadas circunstâncias, a exploração de combustíveis fósseis pode ser até desejável. Em outras circunstâncias, porque uma economia não se torna sustentável de um dia para o outro, pode ser um mal necessário durante algum tempo. E em todo o caso sou de opinião que a informação é sempre bem-vinda. Informação sobre o que existe e onde, por um lado, mas também informação sobre o que se anda a fazer.

Foi por isso que quando, há dias, a associação Contramaré, de Portimão, organizou um debate sobre a prospeção e exploração de petróleo no Algarve, fiz questão de ir assistir. É desse debate o vídeo que abre este post. Transmitido primeiro em direto na internet e depois deixado em gravação no Youtube, o debate durou quatro horas e eu aconselho que o vejam. Não só os algarvios, embora a informação prestada tivesse sido, naturalmente, concentrada no Algarve: é que as concessões de prospeção ocupam uma boa parcela do território continental português e das suas águas, de Vila Real de Santo António a Caminha.

Saí do debate muito mais renitente a tudo isto do que entrei, o que, aliás, tem sido uma constante: quanto mais sei sobre o que se está a passar, menos gosto. A falta de informação e de transparência sobre o que se está e pretende fazer, claramente deliberadas, não auguram nada de bom. Os valores irrisórios que os contratos estabelecem de compensação e pagamento ao Estado português em troca da concessão são quase insultuosos e desmentem as apregoadas vantagens económicas da exploração. As consequências para a região, a sua economia e população, no caso de acidente, em caso de algo correr mal, são demasiado catastróficas para que possamos aceitar este processo com bonomia ou indiferença.

No mínimo dos mínimos, precisamos de muito mais prestação de contas por parte de todas as entidades envolvidas no processo, sem exceção. A começar pelas petrolíferas e acabando no governo, sem esquecer as autarquias e demais empresas, públicas, privadas ou assim-assim, que tenham alguma coisa a ver com o assunto. No mínimo dos mínimos. Sem isso, julgo que a única opção é fazermos fincapé e levantarmos o máximo de obstáculos que nos for possível levantar. Os porquês estão todos no vídeo.

 

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por Jorge Candeias às 20:54

Segunda-feira, 30.11.15

Salvar o planeta

Árvore Terra
Imagem daqui. O Mail sempre tem alguma utilidade

A expressão anda por todo o lado: salvar o planeta. É para salvar o planeta, diz-se, que é urgente combater as alterações climáticas. É para salvar a Terra, afirma-se, que há que proteger biomas, habitats, biodiversidade. É para salvar o mundo, defende-se, que é fundamental pôr travão na poluição, tapar o buraco na camada de ozono, regular as indústrias extrativas para que desastres como o de Mariana não voltem a acontecer ou nunca chegue a ter lugar a contaminação dos aquíferos que fornecem a escassa água de que dispõe o meu turístico Algarve, através do fracking que as empresas que andam a fazer prospeção dizem que não utilizarão mas que os contratos assinados expressamente permitem.

Lamento, mas a expressão está errada.

A questão não está em salvar-se o planeta, a Terra ou o mundo. A questão está em salvarmo-nos a nós.

O planeta não está em causa. Sobreviverá sem problemas às nossas alterações climáticas, à nossa poluição e à nossa destruição de habitats, como já sobreviveu a catástrofes muito mais graves e súbitas do que nós. Nem a vida no planeta está em causa. O que andamos a fazer ao planeta tem levado à extinção de muitas espécies e tudo indica que fará o mesmo a muitas mais mas, como aconteceu tantas vezes no passado, a extinção das plantas e animais que não conseguirem resistir-nos abrirá novas oportunidades evolutivas para as espécies capazes de se aproveitarem de nós. Até cenários de poluição extrema tendem a criar condições para o desenvolvimento de organismos capazes de se servir de toda a porcaria que vamos derramando no ambiente. Com tempo, e tempo haverá, o planeta acabará por sarar.

Só que acabará por sarar numa configuração diferente. E o problema é esse.

A nossa espécie desenvolveu-se e aumentou explosivamente de número graças a um conjunto muito específico de condições ambientais que permitiram, primeiro, a criação da civilização, e mais tarde o seu aprofundamento. Há muito quem nos julgue separados do ambiente, visto sermos hoje maioritariamente urbanitas, habituados e adaptados a condições cada vez mais artificiais, mas nada há de mais errado. Continua a ser o ambiente que nos permite a produção de comida para alimentarmos a multidão que hoje somos, e continua a ser o ambiente que vai tolerando a nossa construção de infraestruturas nos locais onde as vimos construindo há séculos.

E é isso, e não o planeta, que as alterações climáticas ameaçam. É o ambiente estável a que estamos habituados, a que ajustámos a nossa civilização, que está hoje em causa. São as nossas cidades costeiras que serão inundadas pela subida do nível do mar, são os mais produtivos territórios agrícolas do mundo que correm o risco de ficarem sem água à medida que a faixa desértica subtropical se expande para os polos, e são também os terrenos férteis que ficarão sob ameaça quando o mar for avançando rios acima. São as nossas vidas e o que construimos para as tornar mais confortáveis e até, por vezes, mais viáveis, que estão em risco com os fenómenos climatéricos extremos que tendem a tornar-se mais frequentes e violentos. Não é o planeta. Somos nós.

A biodiversidade é importante não porque sem ela o planeta morre, mas porque dela depende a descoberta de curas para doenças que nos matam ou a subsistência de organismos que exploramos para alimentação ou outros usos. Ou até, muito simplesmente, para nos dar ideias que sem ela não teríamos.

O aquecimento global deve ser travado não porque ele ameace de alguma forma o futuro da Terra, mas porque ameaça a existência de Lisboa, Londres, Paris, Nova Iorque, Tóquio, Luanda, Xangai, Rio de Janeiro e até de países e povos inteiros (as Maldivas, Kiribati, por aí fora). E também porque deixa tanto as populações forçadas a migrar para o interior dos continentes, como aquelas que já lá vivem hoje em dia, com muito menos território agrícola explorável e portanto sujeitas a sofrer uma deterioração significativa das condições de vida e, numa escala muito mais vasta do que aquela a que assistimos hoje em dia, e que já é inaceitável, de fome.

Não é, pois, salvar o planeta que nos deve importar. É salvar a adequação do planeta à espécie Homo sapiens. É isso que está em perigo: a nossa capacidade para continuarmos a sobreviver nesta bola azul perdida no espaço ou, no mínimo, para mantermos nela uma civilização pujante a funcionar.

O planeta, esse, facilmente sobreviverá. Nós é que provavelmente não.

 

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por Jorge Candeias às 21:22

Sábado, 28.11.15

A fraude como modo de vida

oministroquenuncafoi.png Bruno Maçães, anterior secretário de estado dos assuntos europeus, célebre pela figurinha e pelos disparates que durante quatro longos anos foi debitando no twitter, quase invariavelmente numa espécie de inglês para mais acentuar a vergonha alheia, por lá continua. A imagem acima é a informação de perfil que iria encontrar alguém que hoje, 28 de novembro, acedesse à sua conta. Não faço ideia se não a alterará em breve; é perfeitamente possível (depois de bloquear umas dezenas de outros utilizadores daquela rede social, como é hábito). Mas por enquanto lá está.

O sublinhado é meu; o resto é dele.

E o resto é o homenzinho, que nunca passou de secretário de estado, a tentar alcandorar-se à condição de "ex-ministro da Europa." Duvida-se imediatamente do resto da bio, não é?

A fraude é mesmo, para esta direita, um modo de vida.

 

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por Jorge Candeias às 18:19

Sexta-feira, 27.11.15

O novo hospital da Madeira e o PSD

De repente o PSD-Madeira quer parecer o campeão na defesa do novo hospital, como se não tivesse estado no governo do país nos últimos 4 anos e no governo da Madeira nos últimos 40 e, portanto, dispôs de todas as condições políticas e financeiras para concretizar a obra.

Dispôs das condições, mas não as aproveitou, teve outras prioridades que são bem conhecidas. Construiu estádios de futebol, campos de golfe, marina e heliporto que nunca foram nem serão usados, centros cívicos às moscas em todas as freguesias, viadutos e túneis sem acesso e abandonados, vias rápidas necessárias, mas que teriam custado metade ou menos se planeadas e construídas com tempo e não à pressa para cumprir o calendário eleitoral.

Uma atuação despesista e eleitoralista do governo PSD-M que nunca mereceu críticas internas. Apenas quando viu esgotar-se o seu tempo na câmara e sem ter outro palco onde se exibir, de forma oportunista, Albuquerque quis mostrar-se diferente começou a demarcar-se e a criticar o modo de atuação de Jardim, quando o próprio Albuquerque até aí tinha sido exatamente igual.

Esta proposta de recomendação ao governo, para a construção do novo hospital, apresentada pelos deputados do PSD Madeira, não passa de um número de teatro e um ato de hipocrisia.

Concordo em absoluto com a urgência da construção do hospital, o objetivo da proposta, mas não com os motivos apresentados. Quem lê o documento é levado a pensar que apenas quem votou no PSD-M deseja o novo hospital, argumento absurdo e patético. O hospital deve ser construído, não porque o PSD ganhou as eleições e tal medida consta no programa do governo regional e constava no do governo de Passos Coelho que foi rejeitado a 10 de novembro.

Deve ser construído porque é uma necessidade imperiosa, que deveria estar atendida há muito tempo só não foi porque o PSD-M não quis, preferiu gastar o dinheiro em obras que fazem vista, mas não faziam falta. E com tantos mundos e fundos da Europa e do Estado o PSD-M conseguiu ainda deixar uma dívida enorme que fez recair sobre os madeirenses um penoso castigo e vai consumir 30% do orçamento da região a partir do próximo ano.

Dados os constrangimentos orçamentais da dívida criada pelo PSD, a região não tem capacidade para suportar tamanho investimento. O estado deve apoiar este empreendimento que é de interesse nacional, pois irá servir não só os residentes, como todos os que nos visitam, em férias ou em trabalho.

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por Paulino Ascenção às 23:14

Domingo, 22.11.15

O Sr Silva dos mercados

A visita de Cavaco Silva à Madeira ficou ensombrada pela sua indefinição quanto ao governo do País. Neste momento ninguém quer saber do que ele viu ou fez na Madeira, mas apenas quando e quem irá nomear primeiro-ministro. A primeira visita do Presidente ocorreu em 2013 em pleno turbilhão após a demissão irrevogável de Paulo Portas. É lamentável que o Presidente só venha à Madeira no meio de trapalhadas, os madeirenses merecem outra consideração.

E mereciam que o Presidente dirigisse uma palavra aos mais de 20.000 desempregados, somos a região do País com maior desemprego. Mereciam que ele se lembrasse das vítimas do 20 de Fevereiro de 2010, que passados quase seis anos e muitos milhões da Lei de Meios, continuam com danos por reparar na suas habitações. Mas ele só tem tempo para empresários e de sucesso, pois os que viram o seu negócio fechar devido ao desastre da austeridade têm de aguardar por outro Presidente.

Apesar encher a boca com os mercados, não o vimos nos Lavradores. Porque encontraria aí o povo, que não é companhia que agrade ao Sr Silva. Ele gosta de estar é em companhias graúdas, administradores, banqueiros e grandes empresários, os ditos “mercados”. Os mercados com que ele tanto se preocupa e tem em maior conta que a própria Constituição de República que jurou defender.

Os mercados. Enervam-se com perspetivas de governo de esquerda, mas não com atentados terroristas - a guerra favorece-os, não fosse o armamento o maior negócio do mundo. Tremem com a vitória do Syriza, mas não com os avanços dos partidos neo-fascistas. Os mercados convivem bem com as ditaduras, seja a do Partido Comunista chinês ou a de Pinochet. Convivem mal é com a democracia, em especial quando esta deixa de ser apenas fachada e procura responder aos problemas das pessoas.

Os mercados reclamam contra o aumento dos salários e pensões, mas nem piam perante as fraudes de milhões na banca. Os mercados são a fraude, são feitos de gente da laia de Ricardo salgado e Dias Loureiro, os grandes amigos do Sr Silva.

(publicado no DN Madeira em 19/11/2015)

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por Paulino Ascenção às 12:23

Quinta-feira, 19.11.15

Que lindos são os ventos que sopram da direita europeia

terroristas.png

Esta imagem que aqui veem é o título de um comunicado de imprensa emitido pelo Partido Popular Europeu. Traduzindo, para quem não perceba ingês a 100%, fica assim:

Ataques de Paris: terroristas votariam alegremente na esquerda

Ou seja, o que aqui temos é a extrema direita europeia a que o PSD e o CDS pertencem, sem pingo de vergonha na cara, a aproveitar-se de ataques terroristas para caluniar a esquerda.

E sim, falo conscientemente em extrema direita. Só a extrema direita desceria tão baixo. Uma direita minimamente civilizada manteria um certo nível de decência. Mas esta extrema direita que descende do antigo centro-direita europeu está muito longe de ser civilizada. É a extrema direita com a ideologia e os métodos do senhor Victor Orbán, o tal que instaurou na Hungria um regime que de democrático já só tem a fachada, e cujo partido, não por acaso ou acidente, também pertence ao PPE.

Aprendamos.

E preparemo-nos para o que aí vem. É que não só são estes os ventos que sopram da direita europeia, como eles andam entre nós, agora cheios de vontade de dar um golpe constitucional.

E pelo andar da carruagem as coisas só tendem a piorar.

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por Jorge Candeias às 14:56

Sábado, 07.11.15

Minha nossa senhora da presidência

Professor Marcelo contactando o altíssimo

Bem sei que anda toda a gente distraída com outras coisas, e com toda a razão, mas não quis deixar passar isto porque, bem vistas as coisas, também é importante.

Pois parece que Marcelo Rebelo de Sousa, esse que, segundo toda a direita, já ganhou as eleições presidenciais antes ainda de formalizar a candidatura, terá dito o seguinte durante um mui beato debate que teve lugar em Lisboa:

«Eu acho que é errado dar uma resposta deste teor: era bom que o Presidente fosse cristão, porque se fosse cristão, além das qualidades todas que têm os outros, tem mais uma. Isso não existe. Eu diria o contrário. Tem uma responsabilidade acrescida por ser cristão. Nós, por sermos cristãos, não temos mais direitos. Se temos alguma coisa é mais deveres. Quem mais recebe, mais tem de dar.»

Ênfase meu.

Ora vamos lá a ver. Eu até entendo a intenção, e até a acho simpática. Com efeito, demasiados católicos sofrem da arrogância moral de se acharem melhores que os outros pelo simples facto de serem católicos (o que, de resto, não é defeito exclusivo dos católicos, reconheça-se), e Marcelo mostra-se contrário a essa atitude o que só me merece simpatia.

O problema é o que diz a seguir, naquela frase realçada a negrito. Essa frase é altamente problemática porque nos mostra um candidato que acha que o grau de responsabilidade do Presidente da República está na dependência direta das ideias, irritações, crenças e/ou preconceitos da pessoa que ocupa o cargo. E isso implica que não compreende a natureza do cargo.

Não, caro Marcelo Rebelo de Sousa.

As responsabilidades do Presidente da República são exatamente iguais, seja quem for a pessoa provisoriamente alojada em Belém, e estão definidas na lei. Não têm rigorosamente nada a ver com ser homem ou mulher, católico, ateu ou muçulmano, branco, preto ou de outra cor qualquer, jovem ou velho, de esquerda ou de direita e por aí fora.

E quem não percebe isto, lamento, não está preparado para ser presidente.

Ponto.

 

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por Jorge Candeias às 21:40

Sexta-feira, 23.10.15

O próximo governo de esquerda e a questão europeia vista por um bloquista

Nos últimos tempos têm-se multiplicado as manifestações de preocupação, quase invariavelmente vindas de apoiantes ou eleitores da direita, sobre a magna questão de como poderão sentir-se os eleitores do Bloco de Esquerda, pobrezinhos, com a ideia de ter de abrir mão de uma série de ideias defendidas pelo seu partido sobre a atual e futura situação na União Europeia, ao integrar ou apoiar um governo do mui europeísta PS.

Sendo eu um eleitor do Bloco, confesso que me aquece o empedernido coraçãozinho ver tanto carinho, em especial vindo de quem acha que o meu partido deve ficar impedido para toda a eternidade de desempenhar um papel, seja ele qual for, na governação do país.

Mas acho graça a tanta preocupação. Sabem porquê? Porque os meus adversários estão muito mais preocupados com isso do que eu estou.

Explico porquê.

Sim, é verdade: o Bloco tem, sobre esses assuntos, opiniões diferentes das do PS. E eu, como é natural (embora nem sempre aconteça), partilho em geral da opinião do Bloco. Considero, por exemplo, que é necessário fazer os possíveis para preparar o país para todos os desfechos possíveis da crise da Zona Euro, que está muito longe de terminar (o que é muito diferente da caricatura que a direita faz quando afirma que o Bloco quer sair do euro; isso é simplesmente mentira), e não acredito que se consiga pôr em prática políticas antiausteritárias sem se entrar em choque com regras europeias como o Tratado Orçamental.

Como é que isto se concilia com o respeito por todas as regras que o Partido Socialista preconiza?

Sem grande dificuldade, na verdade.

Porque o primeiro passo para preparar o país para todas as eventualidades é estudar a fundo todos os cenários prováveis e conceber soluções para cada um. É trabalho complexo, que demora tempo, e implica que, pelo menos no período inicial, não se aja na prática. E depois de tudo estudado, a preparação do país para os diversos cenários não implica violar seja que regra europeia for. Não se trata de abandonar o euro; trata-se de preparar o país para o choque ser o menor possível na eventualidade de esse abandono vir um dia a acontecer ou de acontecer qualquer outro problema sério com a Moeda Única.

Onde está a incompatibilidade entre as duas posições? Afinal, o PS exige cumprir-se as regras, não que não se faça os possíveis para preparar o país para imponderáveis. Não vejo, portanto, incompatibilidade alguma, pelo menos até que esses imponderáveis aconteçam de facto. E tanto o PS como a direita afirmam que eles não deverão acontecer; se tiverem razão, nunca sairemos da mera preparação.

Onde está o problema?

Desacordo real existe quanto ao Tratado Orçamental. O Bloco não acredita na possibilidade de quebrar o ciclo de austeridade dentro das regras do TO; o PS afirma que sim, pretendendo consegui-lo procurando pôr em prática aquilo a que chama uma "leitura inteligente" do tratado. E eu penso que não só é inevitável que seja esse o caminho seguido, visto que o PS teve três votos por cada dois à sua esquerda e há condicionalismos vários, internos e externos, que levam a que não seja politicamente viável, neste momento, pôr essa questão em causa, como até talvez seja mesmo desejável que seja esse o caminho seguido, porque no improvável caso de a ideia resultar seria menos traumático do que a alternativa e porque, não resultando, teremos em mãos a demonstração prática de que se trata de uma mera ilusão e poderemos então procurar implementar as soluções alternativas cuja necessidade continuamos a defender, mesmo não as podendo aplicar para já (e, já agora, conviria também dar mais força a quem as preconiza).

Ou seja, eu, eleitor do Bloco, não estou minimamente preocupado com o congelamento provisório de alguns aspetos do programa do meu partido. Sei perfeitamente que ele não teve votos suficientes para ser o seu programa a servir de base a um governo, sei que, com 10%, só poderá aspirar a ter uma influência real sobre alguns aspetos da governação e será obrigado a deixar outros para outra altura. Terei pena de que assim seja? Tenho, claro. Preferia que tivéssemos tido o dobro ou o triplo dos votos (ou mais, porque não?), podendo assim pôr em prática uma parcela proporcionalmente maior das nossas propostas. Mas os resultados foram os que foram. Não tendo sido nada maus, estão no entanto longe de ser suficientes para não serem necessários compromissos. Portanto venham os compromissos possíveis. É assim que a democracia funciona.

Não se preocupem connosco, caros direitistas. Nós estamos muito confortáveis com todo este processo. Afinal, foi a Catarina Martins que lhe deu o pontapé de partida, lembram-se?

Se fosse a vocês, preocupava-me, sim, convosco e com a imensa ignorância de que ao que tudo indica sofrem sobre o que é e como funciona a democracia de base parlamentar.

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por Jorge Candeias às 23:19

Domingo, 18.10.15

Bloco de Esquerda, a esperança que cresce.

O Bloco de Esquerda foi a surpresa nas eleições de 4 de Outubro e obteve o seu melhor resultado de sempre. Na Madeira a surpresa foi ainda maior com a eleição de um deputado à Assembleia da República, algo inédito e impensável no início do ano quando nem estava representado no parlamento regional.

Tamanho éxito é explicado pelo "furacão Catarina" segundo muitas opiniões, que deixam assim transparecer o seu desdém pelo BE-Madeira e seus ativistas. E é verdade que a Catarina Martins teve um papel fundamental nos resultados obtidos pelo Bloco a nível nacional e regional. Mas ela concorreu pelo Porto, não pela Madeira e foi cá onde a votação do Bloco mais cresceu, 140% comparado com 2011. Em Março e sem furacão Catarina o BE-Madeira já tinha obtido o seu melhor resultado de sempre em eleições regionais.

Outros fatores se combinaram para este resultado extraodinário. A equipa de candidatos com rostos novos, uma mandatária jovem, o bom trabalho realizado no parlamento regional pelos dois deputados, a atuação séria nas autarquias onde o Bloco tem eleitos, a atividade persistente embora pouco visível quando não estava no parlamento, o apoio sem reservas das e dos ativistas de lutas antigas, conferiam consistência e credibilidade à candidatura do BE.

Uma campanha feita de verdade, encarando de frente os problemas e apresentando soluções claras que respondem aos anseios das pessoas e vão ao fundo das questões. Um discurso coerente a nível regional e nacional, sem concessões a quaisquer interesses. Tinha que dar certo.

Perdeu o fingimento de quem se diz diferente na Madeira do que é no País, de quem se diz diferente hoje do que foi ontem e afasta responsabilidades pelo passado recente. Foi derrotado o vedetismo dos partidos de uma pessoa só, sem conteúdo além das vaidades pessoais. Desiludiu o vazio de quem se diz diferente mas não sabe dizer ao certo o que é nem o que quer para o País.

Esta votação, um ano após a morte do Paulo Martins, foi a melhor homenagem que os madeirenses lhe podiam fazer e tão bem ele a merece.
Como deputado eleito endereço meu sentido agradecimento a todas e todos os que depositaram a sua esperança através do voto no Bloco de Esquerda, é uma grande responsabilidade a que procurarei cumprir com humildade e dedicação.

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por Paulino Ascenção às 12:58

Quinta-feira, 08.10.15

Será que é desta que se acaba a fraude dos candidatos a PM?

Há um par de décadas, pelo menos, que temos vindo a ser coletivamente bombardeados com uma invenção dos media e dos políticos de centro e de direita (por vezes até com umas ramadas a estender-se pela esquerda) que repete até à exaustão a ideia de que os líderes partidários se candidatam, nas eleições legislativas, a primeiro-ministro. A insistência nessa fábula visa transformar as eleições numa espécie de concurso de beleza unipessoal, sem ideologia nem equipa, nas quais só conta mesmo quem chega em primeiro. Pretende-se com isso anular a representação democrática do povo corporizada nos deputados eleitos para a Assembleia da República e restringir as escolhas possíveis aos dois partidos do centrão que, por serem muito maiores do que os outros (sendo que nisso está muito longe da inocência um sistema eleitoral que os protege e a própria fraude das candidaturas a primeiro ministro), são os únicos de onde poderia provir uma "candidatura" viável a PM. A ideia é: se se está a eleger um primeiro-ministro, só vale a pena escolher entre os chefes do PS e do PSD, e a portanto a campanha tende a reduzir-se às qualidades da voz de um ou ao modo como o outro mexe as mãos. E aquele, dos dois, que tiver mais votos, está visto, ganha.

E costuma ser mesmo assim que o voto acontece, o que prova a importância determinante que certos media tiveram durante algumas décadas na política tal como a conhecemos. Desta vez, porém, não foi. Uma porção significativa dos eleitores recusou esta espécie de lógica distorcida e votou em outras candidaturas. E depois muita gente descobriu com surpresa que chegar em primeiro nas eleições não garante que se acaba com o cargo de primeiro-ministro nas mãos. Portugal está neste momento a dar a si próprio uma há muito necessária lição de política e de funcionamento das instituições democráticas.

A primeira grande lição de todo este processo, portanto, e independentemente do seu desfecho, é que as candidaturas a primeiro-ministro são uma gigantesca patranha, concebida com objetivos políticos muito claros. A segunda é a de que a vontade do povo se expressa na eleição de deputados, não de primeiros-ministros. A terceira é a de que a formação do governo e o cargo de primeiro-ministro dependem da relação de forças na Assembleia da República, não de tentativas fraudulentas de subverter o nosso enquadramento legal e institucional. Não é quem ganha as eleições que forma governo: é quem encontra na Assembleia da República condições para governar.

Todos conhecemos os resultados das últimas eleições, mas vamos usar em vez dele um caso hipotético para deixar as coisas cristalinamente claras. Se houvesse em Portugal 20 partidos democráticos que depois de umas eleições elegessem 10 deputados cada um e um partido nazi que elegesse 30, ninguém quereria (à parte os nazis) um governo formado pelo partido nazi, apoiado por 30 deputados e com 200 contra ele. Toda a gente procuraria uma coligação entre todos ou alguns dos outros 20, que permitisse não entregar o país nas mãos dos cães.

E, por mais histérica que se mostre a direita, por mais asneiras que vão sendo ditas e escritas um pouco por todo o lado, é no essencial isto mesmo o que está agora a acontecer. A direita nem 40% dos votos teve. A esquerda teve mais de 60%. Apesar de distorcidamente, esse equilíbrio reflete-se na Assembleia que resultou das eleições. Por conseguinte, se a esquerda conseguir entender-se para formar governo, tem mais legitimidade para isso do que a direita: tem a legitimidade que resulta do voto popular.

Esperemos que esta lição de democracia apague de vez do léxico político português a daninha ideia das candidaturas a primeiro-ministro. Já vai tarde.

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por Jorge Candeias às 18:21


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