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Sexta-feira, 23.10.15

O próximo governo de esquerda e a questão europeia vista por um bloquista

Nos últimos tempos têm-se multiplicado as manifestações de preocupação, quase invariavelmente vindas de apoiantes ou eleitores da direita, sobre a magna questão de como poderão sentir-se os eleitores do Bloco de Esquerda, pobrezinhos, com a ideia de ter de abrir mão de uma série de ideias defendidas pelo seu partido sobre a atual e futura situação na União Europeia, ao integrar ou apoiar um governo do mui europeísta PS.

Sendo eu um eleitor do Bloco, confesso que me aquece o empedernido coraçãozinho ver tanto carinho, em especial vindo de quem acha que o meu partido deve ficar impedido para toda a eternidade de desempenhar um papel, seja ele qual for, na governação do país.

Mas acho graça a tanta preocupação. Sabem porquê? Porque os meus adversários estão muito mais preocupados com isso do que eu estou.

Explico porquê.

Sim, é verdade: o Bloco tem, sobre esses assuntos, opiniões diferentes das do PS. E eu, como é natural (embora nem sempre aconteça), partilho em geral da opinião do Bloco. Considero, por exemplo, que é necessário fazer os possíveis para preparar o país para todos os desfechos possíveis da crise da Zona Euro, que está muito longe de terminar (o que é muito diferente da caricatura que a direita faz quando afirma que o Bloco quer sair do euro; isso é simplesmente mentira), e não acredito que se consiga pôr em prática políticas antiausteritárias sem se entrar em choque com regras europeias como o Tratado Orçamental.

Como é que isto se concilia com o respeito por todas as regras que o Partido Socialista preconiza?

Sem grande dificuldade, na verdade.

Porque o primeiro passo para preparar o país para todas as eventualidades é estudar a fundo todos os cenários prováveis e conceber soluções para cada um. É trabalho complexo, que demora tempo, e implica que, pelo menos no período inicial, não se aja na prática. E depois de tudo estudado, a preparação do país para os diversos cenários não implica violar seja que regra europeia for. Não se trata de abandonar o euro; trata-se de preparar o país para o choque ser o menor possível na eventualidade de esse abandono vir um dia a acontecer ou de acontecer qualquer outro problema sério com a Moeda Única.

Onde está a incompatibilidade entre as duas posições? Afinal, o PS exige cumprir-se as regras, não que não se faça os possíveis para preparar o país para imponderáveis. Não vejo, portanto, incompatibilidade alguma, pelo menos até que esses imponderáveis aconteçam de facto. E tanto o PS como a direita afirmam que eles não deverão acontecer; se tiverem razão, nunca sairemos da mera preparação.

Onde está o problema?

Desacordo real existe quanto ao Tratado Orçamental. O Bloco não acredita na possibilidade de quebrar o ciclo de austeridade dentro das regras do TO; o PS afirma que sim, pretendendo consegui-lo procurando pôr em prática aquilo a que chama uma "leitura inteligente" do tratado. E eu penso que não só é inevitável que seja esse o caminho seguido, visto que o PS teve três votos por cada dois à sua esquerda e há condicionalismos vários, internos e externos, que levam a que não seja politicamente viável, neste momento, pôr essa questão em causa, como até talvez seja mesmo desejável que seja esse o caminho seguido, porque no improvável caso de a ideia resultar seria menos traumático do que a alternativa e porque, não resultando, teremos em mãos a demonstração prática de que se trata de uma mera ilusão e poderemos então procurar implementar as soluções alternativas cuja necessidade continuamos a defender, mesmo não as podendo aplicar para já (e, já agora, conviria também dar mais força a quem as preconiza).

Ou seja, eu, eleitor do Bloco, não estou minimamente preocupado com o congelamento provisório de alguns aspetos do programa do meu partido. Sei perfeitamente que ele não teve votos suficientes para ser o seu programa a servir de base a um governo, sei que, com 10%, só poderá aspirar a ter uma influência real sobre alguns aspetos da governação e será obrigado a deixar outros para outra altura. Terei pena de que assim seja? Tenho, claro. Preferia que tivéssemos tido o dobro ou o triplo dos votos (ou mais, porque não?), podendo assim pôr em prática uma parcela proporcionalmente maior das nossas propostas. Mas os resultados foram os que foram. Não tendo sido nada maus, estão no entanto longe de ser suficientes para não serem necessários compromissos. Portanto venham os compromissos possíveis. É assim que a democracia funciona.

Não se preocupem connosco, caros direitistas. Nós estamos muito confortáveis com todo este processo. Afinal, foi a Catarina Martins que lhe deu o pontapé de partida, lembram-se?

Se fosse a vocês, preocupava-me, sim, convosco e com a imensa ignorância de que ao que tudo indica sofrem sobre o que é e como funciona a democracia de base parlamentar.

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por Jorge Candeias às 23:19

Domingo, 18.10.15

Bloco de Esquerda, a esperança que cresce.

O Bloco de Esquerda foi a surpresa nas eleições de 4 de Outubro e obteve o seu melhor resultado de sempre. Na Madeira a surpresa foi ainda maior com a eleição de um deputado à Assembleia da República, algo inédito e impensável no início do ano quando nem estava representado no parlamento regional.

Tamanho éxito é explicado pelo "furacão Catarina" segundo muitas opiniões, que deixam assim transparecer o seu desdém pelo BE-Madeira e seus ativistas. E é verdade que a Catarina Martins teve um papel fundamental nos resultados obtidos pelo Bloco a nível nacional e regional. Mas ela concorreu pelo Porto, não pela Madeira e foi cá onde a votação do Bloco mais cresceu, 140% comparado com 2011. Em Março e sem furacão Catarina o BE-Madeira já tinha obtido o seu melhor resultado de sempre em eleições regionais.

Outros fatores se combinaram para este resultado extraodinário. A equipa de candidatos com rostos novos, uma mandatária jovem, o bom trabalho realizado no parlamento regional pelos dois deputados, a atuação séria nas autarquias onde o Bloco tem eleitos, a atividade persistente embora pouco visível quando não estava no parlamento, o apoio sem reservas das e dos ativistas de lutas antigas, conferiam consistência e credibilidade à candidatura do BE.

Uma campanha feita de verdade, encarando de frente os problemas e apresentando soluções claras que respondem aos anseios das pessoas e vão ao fundo das questões. Um discurso coerente a nível regional e nacional, sem concessões a quaisquer interesses. Tinha que dar certo.

Perdeu o fingimento de quem se diz diferente na Madeira do que é no País, de quem se diz diferente hoje do que foi ontem e afasta responsabilidades pelo passado recente. Foi derrotado o vedetismo dos partidos de uma pessoa só, sem conteúdo além das vaidades pessoais. Desiludiu o vazio de quem se diz diferente mas não sabe dizer ao certo o que é nem o que quer para o País.

Esta votação, um ano após a morte do Paulo Martins, foi a melhor homenagem que os madeirenses lhe podiam fazer e tão bem ele a merece.
Como deputado eleito endereço meu sentido agradecimento a todas e todos os que depositaram a sua esperança através do voto no Bloco de Esquerda, é uma grande responsabilidade a que procurarei cumprir com humildade e dedicação.

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por Paulino Ascenção às 12:58

Quinta-feira, 08.10.15

Será que é desta que se acaba a fraude dos candidatos a PM?

Há um par de décadas, pelo menos, que temos vindo a ser coletivamente bombardeados com uma invenção dos media e dos políticos de centro e de direita (por vezes até com umas ramadas a estender-se pela esquerda) que repete até à exaustão a ideia de que os líderes partidários se candidatam, nas eleições legislativas, a primeiro-ministro. A insistência nessa fábula visa transformar as eleições numa espécie de concurso de beleza unipessoal, sem ideologia nem equipa, nas quais só conta mesmo quem chega em primeiro. Pretende-se com isso anular a representação democrática do povo corporizada nos deputados eleitos para a Assembleia da República e restringir as escolhas possíveis aos dois partidos do centrão que, por serem muito maiores do que os outros (sendo que nisso está muito longe da inocência um sistema eleitoral que os protege e a própria fraude das candidaturas a primeiro ministro), são os únicos de onde poderia provir uma "candidatura" viável a PM. A ideia é: se se está a eleger um primeiro-ministro, só vale a pena escolher entre os chefes do PS e do PSD, e a portanto a campanha tende a reduzir-se às qualidades da voz de um ou ao modo como o outro mexe as mãos. E aquele, dos dois, que tiver mais votos, está visto, ganha.

E costuma ser mesmo assim que o voto acontece, o que prova a importância determinante que certos media tiveram durante algumas décadas na política tal como a conhecemos. Desta vez, porém, não foi. Uma porção significativa dos eleitores recusou esta espécie de lógica distorcida e votou em outras candidaturas. E depois muita gente descobriu com surpresa que chegar em primeiro nas eleições não garante que se acaba com o cargo de primeiro-ministro nas mãos. Portugal está neste momento a dar a si próprio uma há muito necessária lição de política e de funcionamento das instituições democráticas.

A primeira grande lição de todo este processo, portanto, e independentemente do seu desfecho, é que as candidaturas a primeiro-ministro são uma gigantesca patranha, concebida com objetivos políticos muito claros. A segunda é a de que a vontade do povo se expressa na eleição de deputados, não de primeiros-ministros. A terceira é a de que a formação do governo e o cargo de primeiro-ministro dependem da relação de forças na Assembleia da República, não de tentativas fraudulentas de subverter o nosso enquadramento legal e institucional. Não é quem ganha as eleições que forma governo: é quem encontra na Assembleia da República condições para governar.

Todos conhecemos os resultados das últimas eleições, mas vamos usar em vez dele um caso hipotético para deixar as coisas cristalinamente claras. Se houvesse em Portugal 20 partidos democráticos que depois de umas eleições elegessem 10 deputados cada um e um partido nazi que elegesse 30, ninguém quereria (à parte os nazis) um governo formado pelo partido nazi, apoiado por 30 deputados e com 200 contra ele. Toda a gente procuraria uma coligação entre todos ou alguns dos outros 20, que permitisse não entregar o país nas mãos dos cães.

E, por mais histérica que se mostre a direita, por mais asneiras que vão sendo ditas e escritas um pouco por todo o lado, é no essencial isto mesmo o que está agora a acontecer. A direita nem 40% dos votos teve. A esquerda teve mais de 60%. Apesar de distorcidamente, esse equilíbrio reflete-se na Assembleia que resultou das eleições. Por conseguinte, se a esquerda conseguir entender-se para formar governo, tem mais legitimidade para isso do que a direita: tem a legitimidade que resulta do voto popular.

Esperemos que esta lição de democracia apague de vez do léxico político português a daninha ideia das candidaturas a primeiro-ministro. Já vai tarde.

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por Jorge Candeias às 18:21


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